Insomnia study
2014
Autoretratos feitos a partir de fotos tiradas em baixo d’água afim de tornar possível o sonho de voar. A série contrasta a angústia do insone com a leveza sentida durante o sonho, semelhante à que encontramos submersos na água. Em grandes formatos, feitos em períodos de 1 a 6 meses, os desenhos também são uma espécie de manifesto pessoal sobre o modo de produção contemporâneo que nos pressiona a produzir mais no menor intervalo de tempo possível.
Drawings made from photos taken underwater to make possible the dream of flying. The series contrasts the anguish of the insomniac with the lightness felt during the dream, similar to the one we find submerged in water. In large formats, made in periods of 1 to 6 months each, the drawings are also a kind of personal manifesto about the contemporary way of production that pressures us to produce more in the shortest time possible.
Estudo sobre a insônia
Éder Silveira
Uma das características mais marcantes da prosa de Samuel Beckett é a tensão por ele estabelecida entre a extrema fragilidade de seus personagens, muitos dos quais são apresentados parcialmente enterrados em barris, presos no lodo ou ainda reduzidos a uma boca e à força que os impele a falar. Mesmo no limite, eles falam. Mesmo negando, lutando com os limites da palavra, eles não calam.
Nos trabalhos de Louise Kanefuku está presente uma tensão desta ordem. Uma tensão entre a fragilidade e a exposição de uma imagem que, em que pese a sua condição, se oferece ao espectador. Seja na série anterior de trabalhos, intitulada “Pequenos Martírios Indolores”, seja agora, com o seu “Estudo sobre a insônia”, Louise explora a representação de um eu que não foge à necessidade de se mostrar fragilizado, como nos “Pequenos Martírios”, ou marcado pela angústia, como no “Estudo sobre a insônia”.
Está firmada no imaginário popular a ideia de que o sono é dos justos. No mínimo, daqueles que estão tranquilos consigo mesmos. Perder o sono traduz a falta de tranquilidade, a dívida, a ansiedade, características marcantes dos tempos nos quais vivemos. Como Jonathan Crary assinalou, estamos imersos em um mundo pensado para operar 24/7 (24 horas, 7 dias por semana), sendo o sono a última barreira natural até o momento não controlada pelo mercado, ainda que a indústria farmacêutica sobre ele tenha investido com volúpia.
A insônia, tematizada por Louise na mostra ora em tela, concentra toda a angústia daquele que deseja se entregar ao alheamento trazido pelo sono sem ser capaz. A artista representa-se nas diferentes posições ocupadas, uma após a outra, por aquele que procura adormecer sem ser capaz, como podemos ver no primeiro “Estudo sobre a insônia”. Em trabalhos como o Estudos I e II, desenhos nos quais a imagem da artista fotografada submersa em uma piscina se converte em desenho, ela se apresenta livre dos aparatos de repouso que acabam por se tornar um azougue para o insone, como os lençóis e a própria cama.
Na exposição que ora nos oferece, Louise transita entre várias referências, que vão da cultura pop, como as graphic novels do Chris Ware, ao trabalho do artista sul-coreano Seung Mo Park, presentes em seus desenhos. Estudos sobre a Insônia é um convite para pensar e para que nos sintamos um pouco desassossegados. E o desassossego é tudo o que se quer.
(Texto curatorial do Prof. Dr. Éder Silveira para a exposição “Estudo sobre a insônia”. Impresso em folder de divulgação em junho de 2015.)
Louise Kanefuku - Revista DASartes, Seção Garimpo
Elisa Maia
"Estudo sobre a insônia" (2015) integra a série de desenhos de Louise Kanefuku, na qual a artista aborda a experiência aparentemente banal, mas ao mesmo tempo intensa, para quem a conhece da incapacidade de adormecer. Os desenhos ricos em detalhes e de traços precisos que compõem a sequência são feitos a partir de fotografias da artista tiradas embaixo d'água. Com o apagamento do entorno, da água e da piscina, o corpo submerso aparece em suspenso no vazio, enfatizando a solidão característica dos momentos de insônia. "Quando coloco as figuras em um fundo vazio, quero tirar a importância sobre onde elas estão, indicar que o que importa são suas questões internas", conta.
A tranquilidade evocada pelas imagens se contrapõe à angústia que se intensifica nos momentos em que não é possível dormir. Nelas, o turbilhão de pensamentos e preocupações, que em geral mantém o insone em estado de vigília, converte-se em um ruído surdo, isolado e silenciado pelo vazio do fundo branco. "Para mim, os momentos de insônia são aqueles em que as crises existenciais se tornam mais intensas", diz a artista. Os desenhos de Louise se impõem pela beleza, pela leveza, pelo vazio e pelo silêncio. Nas suas imagens delicadas, a escassez de elementos, materiais e cores enriquece o trabalho, ilustrando o processo de transformação de ausência em potência.
Louise, que trabalha como publicitária, encontra ainda na atividade de desenhar uma espécie de refúgio das demandas acachapantes do sistema produtivista - "como um ato de resistência a essa lógica, desenhar por dias em frente a um papel parece-me libertador." Nesse sentido, sono e desenho se aproximam como atividades que interrompem o ritmo incessante em que vivemos, estabelecendo pausas e impondo outras velocidades para nossa existência no mundo.
(Elisa Maia é formada em direito e letras e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais. Texto publicado na revista DASartes Ed. 48, p. 40, 2016.)
Série na Feira Parte 2016 (SP), na mídia e na casa das pessoas.