
Estudo sobre a insônia, 2014. Grafite e giz de cera sobre papel. 1,5 m x 2 m. Acervo da UFCSPA.

Estudo sobre a insônia II, 2015. Desenho em grafite, lápis aquarelável e giz de cera. 1,5 x 2,1 m.

Estudo sobre a insônia III, 2015. Desenho em grafite, lápis aquarelável e giz de cera. 1,5 x 2,3 m.

Estudo sobre a insônia IV, 2015. Desenho em grafite, lápis aquarelável e giz de cera. 1,5 x 2,1 m.

Estudo sobre a insônia V, 2015. Desenho em grafite, lápis aquarelável e giz de cera. 1,5 x 2,1 m.

Sem título, série Estudo sobre a insônia, 2015. Desenho em grafite, lápis aquarelável e giz pastel. 81,5 x 69 cm.

Foto da exposição Estudo sobre a Insônia na UFCSPA.
Estudo sobre a insônia
Éder Silveira
Uma das características mais marcantes da prosa de Samuel Beckett é a tensão por ele estabelecida entre a extrema fragilidade de seus personagens, muitos dos quais são apresentados parcialmente enterrados em barris, presos no lodo ou ainda reduzidos a uma boca e à força que os impele a falar. Mesmo no limite, eles falam. Mesmo negando, lutando com os limites da palavra, eles não calam.
Nos trabalhos de Louise Kanefuku está presente uma tensão desta ordem. Uma tensão entre a fragilidade e a exposição de uma imagem que, em que pese a sua condição, se oferece ao espectador. Seja na série anterior de trabalhos, intitulada “Pequenos Martírios Indolores”, seja agora, com o seu “Estudo sobre a insônia”, Louise explora a representação de um eu que não foge à necessidade de se mostrar fragilizado, como nos “Pequenos Martírios”, ou marcado pela angústia, como no “Estudo sobre a insônia”.
Está firmada no imaginário popular a ideia de que o sono é dos justos. No mínimo, daqueles que estão tranquilos consigo mesmos. Perder o sono traduz a falta de tranquilidade, a dívida, a ansiedade, características marcantes dos tempos nos quais vivemos. Como Jonathan Crary assinalou, estamos imersos em um mundo pensado para operar 24/7 (24 horas, 7 dias por semana), sendo o sono a última barreira natural até o momento não controlada pelo mercado, ainda que a indústria farmacêutica sobre ele tenha investido com volúpia.
A insônia, tematizada por Louise na mostra ora em tela, concentra toda a angústia daquele que deseja se entregar ao alheamento trazido pelo sono sem ser capaz. A artista representa-se nas diferentes posições ocupadas, uma após a outra, por aquele que procura adormecer sem ser capaz, como podemos ver no primeiro “Estudo sobre a insônia”. Em trabalhos como o Estudos I e II, desenhos nos quais a imagem da artista fotografada submersa em uma piscina se converte em desenho, ela se apresenta livre dos aparatos de repouso que acabam por se tornar um azougue para o insone, como os lençóis e a própria cama.
Na exposição que ora nos oferece, Louise transita entre várias referências, que vão da cultura pop, como as graphic novels do Chris Ware, ao trabalho do artista sul-coreano Seung Mo Park, presentes em seus desenhos. Estudos sobre a Insônia é um convite para pensar e para que nos sintamos um pouco desassossegados. E o desassossego é tudo o que se quer.
(Texto curatorial do Prof. Dr. Éder Silveira para a exposição “Estudo sobre a insônia”. Impresso em folder de divulgação em junho de 2015.)

A partir dessa série também produzi um livro publicado pela Azulejo Arte Impressa disponível aqui.




Louise Kanefuku - Revista DASartes, Seção Garimpo
Elisa Maia
"Estudo sobre a insônia" (2015) integra a série de desenhos de Louise Kanefuku, na qual a artista aborda a experiência aparentemente banal, mas ao mesmo tempo intensa, para quem a conhece da incapacidade de adormecer. Os desenhos ricos em detalhes e de traços precisos que compõem a sequência são feitos a partir de fotografias da artista tiradas embaixo d'água. Com o apagamento do entorno, da água e da piscina, o corpo submerso aparece em suspenso no vazio, enfatizando a solidão característica dos momentos de insônia. "Quando coloco as figuras em um fundo vazio, quero tirar a importância sobre onde elas estão, indicar que o que importa são suas questões internas", conta.
A tranquilidade evocada pelas imagens se contrapõe à angústia que se intensifica nos momentos em que não é possível dormir. Nelas, o turbilhão de pensamentos e preocupações, que em geral mantém o insone em estado de vigília, converte-se em um ruído surdo, isolado e silenciado pelo vazio do fundo branco. "Para mim, os momentos de insônia são aqueles em que as crises existenciais se tornam mais intensas", diz a artista. Os desenhos de Louise se impõem pela beleza, pela leveza, pelo vazio e pelo silêncio. Nas suas imagens delicadas, a escassez de elementos, materiais e cores enriquece o trabalho, ilustrando o processo de transformação de ausência em potência.
Louise, que trabalha como publicitária, encontra ainda na atividade de desenhar uma espécie de refúgio das demandas acachapantes do sistema produtivista - "como um ato de resistência a essa lógica, desenhar por dias em frente a um papel parece-me libertador." Nesse sentido, sono e desenho se aproximam como atividades que interrompem o ritmo incessante em que vivemos, estabelecendo pausas e impondo outras velocidades para nossa existência no mundo.
(Elisa Maia é formada em direito e letras e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais. Texto publicado na revista DASartes Ed. 48, p. 40, 2016.)







